
Curiosamente, na manhã seguinte o céu de Toledo tinha um aspecto ambíguo que me provocou sentimentos também contraditórios.
Mais uma vez tentei convencer-me que a minha fértil criatividade, que até aí vinha saciando com a arquitectura, a fotografia, o desenho e a pintura, me estava a levar para o lado do cinema, eventualmente inspirado pela paixão literária da minha juventude - os pequenos policiais;

o Comissário
Maigret,de
Georges Simenon 
(o meu preferido) e tantos outros pequenos livros que ainda enchem uma pquena estante de prateleiras escalonadas "à medida" .
Não apreciava particularmente os enredos de
Agatha Cristie, ou os complexos "nós" desfeitos magistralmente por
Sherlock Holmes; (irritava-me a sobranceria com que lidava com o seu sempre seu prestável companheiro de aventuras o
Doctor Watson.,

apesar de reconhecer ser esse um dos "condimentos "que tornavam as sua histórias mais reais). Detestava os policiais violentos ripo "
Rex".
Mas, repito, o anafado
Commissaire Maigret (Police Judiciaire,
36- Quai des Orfèvres, Paris) "enchia-me as medidas" e as suas histórias ocupavam a mais alta hierarquia nas prateleiras da estante que dediquei aos policiais "de bolso", que, nessa altura, consumia em doses de "um por noite".
Maigret era "perfeito", tinha vícios e virtudes, cometia injustiças mas não hesitava em reconhecer os seus erros.
Era um "bom prato" e um "bom copo"..., bom conversador, tratava familiarmente os seus subordinados e apreciava pormenorizadamente cada detalhe dos locais a que os seus casos obrigatoriamente o conduziam.
Excelente polícia, era também um homem sensível, amante da arte e da Liberdade, nos seus verdadeiros e genuínos sentidos.
Pondo de lado estas divagações, esse dia em Toledo, foi planeado de forma a gozar a piscina na hora do calor mais intenso, e aproveitar o final do dia para ir a pé até à cidade, que até aí só víamos de cima. A bela Catedral constituía um dos maiores incentivos para esse percurso.
Mas o "encantamento" não durou muito. Ocupámos uma das áreas reservadas no jardim às "
chaise-longues" de plástico", protegida por um Guarda sol "
havaiano" e, preparámo-nos para um "belo bronze" até darmos de caras com o estranho sujeito da tarde anterior ".
Curiosamente, já tinha um aspecto menos "desintegrado", mais urbano. A barba já tinha sido aparada e o vistoso "rabo-de-cavalo" dera lugar a um corte perfeitamente comum.
Pensámos primeiro que o tipo estava de férias e tinha resolvido mudar de "visual", até ao momento em que fez questão de se colocar muito próximo de nós a falar ao telefone num nível de decibéis altíssimo e aparentemente prepositado, descrevendo ao seu eventual interlocutor toda a sua viagem (que coincidia até ao mais ínfimo detalhe com a nossa, rematando a conversa com um "(...Ainda hoje sigo para Portugal...)".
Acabou aí a minha curta tranquilidade, até porque, parte da conversa que fui obrigado a ouvir reproduzia quase integralmente um pequeno diálogo que momentos antes tinha tido pelo telefone com a minha ex-mulher, para a sossegar em relação aos miúdos.
Por outro lado, o facto de o homem não largar o telefone, de usar o relógio na mão direita (que parecia colada ao telefone portátil) sobre uma estranha pulseira amarela e ainda de ter uns calções de banho deque me lembrava já ter visto à venda na loja desse mesmo Parador bloquearam por momentos as minhas já escassas reservas de paciência e, pouco depois estava na janela do meu quarto,

com a máquina fotográfica bem focada no já suspeito "turista ocasional".
Abri a mala da "artilharia informática" que sempre me acompanha nas viagens, liguei o computador, inseri o cartão de memória da minha "Pro1" e espremi os 8 Megapixéis das fotos que momentos antes tirara, para confirmar as minhas já fundamentadas desconfianças:
Efectivamente sob o relógio colocado na mão direita notava-se uma espécie de pulseira, que não devia ser muito confortável.
Confirmava-se pelo logótipo dos calções de banho (Um "P" rebuscado e dourado de "Parador") que eventualmente o sujeito não foi para ali preparado para os "banhos".

Por outro lado, a suspeita de que as minhas conversas telefónicas "faziam eco" foi inesperadamente comprovada: Quando estava nesta operação de "caça ao pixel" o meu telefone tocou. Do outro lado, um engenheiro civil que comigo colabora nalguns projectos, pretendia uma reunião, julgando que eu me encontrava "em casa". Instintivamente, e ainda a observar de longe o homem dos calções comprados no Parador, disse ao meu amigo engenheiro que (..."me tinha apanhado por sorte, pois estava Fora de "malas aviadas" para regressar ainda a tempo de termos essa pretendida conversa no meu atelier de S. Pedro.
Dito mas não feito! O meu comparsa lá de baixo "aviou-se logo". arrumou a trouxa e dirigiu-se para o interior do Parador. Não mais o voltei a ver. Deixei passar algum tempo, desci e fui à recepção adiar a estadia por mais um dia...